segunda-feira, julho 11, 2005


Queridos amigos, este texto foi escrito a propósito de um trabalho que tive que realizar a uma disciplina (Didáctica da escrita criativa) durante o ano passado (2004).Não sei porquê mas hoje voltei a lê-lo e senti uma necessidade enorme de o mostrar (desculpem o egocentrismo). Alterei-o em algumas coisas do original, mas acho que é uma prova do que fiz em Cabo Verde durante o projecto de 2003 e gostava muito que lhe dessem uma vista de olhos e comentassem...Quero com isto incentivar todos quantos queiram, a inscrever-se em associações do género da ASUL ou mesmo particularmente, e investirem neste tipo de projectos. Sim porque é assim que realmente podemos crescer e ser melhores no futuro...(não são balelas)!!!A meu ver basta uma pessoa ou duas para dar amor e um exemplo bastante bom e eficaz, a estas pessoas que no fundo o que mais precisam é isso mesmo amor e exemplos vivos...Beijinhos e abraços e desculpem lá a seca... tomás pimenta da gama.

Por: Tomás Pimenta da Gama
Tema: Uma experiência da vida.

E no meio eu…
14 de Agosto de 2003, aeroporto da portela, 22 horas. Trinta e quatro jovens preparam-se para uma experiência que, de certo, vai marcar as suas vidas. Dois meses de total disponibilidade para aqueles que mais necessitam. Desejosos de olhar de frente o rosto de Cristo, através daqueles a quem Ele chama Seus irmãos mais pequeninos, com um espírito de total entrega e amor ao próximo.
14 de Agosto, aeroporto Internacional da ilha do Sal. 00:00 locais.
Após uma viagem de quatro horas, ali estava eu num pais desconhecido e distante, longe da família e de muitos amigos que ficaram para trás. Eu, e mais 29 pessoas que se prepararam comigo para esta aventura missionária.
Agora é tempo de despedidas. Das vinte e nove pessoas que me acompanham só sete fazem Projecto comigo. As restantes vão também ser divididas em grupos mais pequenos.
Comigo vem a Vera, a Inês, a Carolina, a Mariana, a Rita, o Pedro e o Kiko, como chefe de grupo. A expectativa é muita. Isto porque, pela primeira vez, se vai fazer um projecto em São Martinho Grande, uma pequena aldeia a seis quilómetros da cidade da Praia, que é a capital económica de Cabo Verde.
Ainda antes de levantar voo, fazemos os oito uma pequena oração. Juntos pedimos a Deus que nos ajude a ajudar, o máximo que conseguirmos.
Meia hora de viagem. Chegámos ao aeroporto Amílcar Cabral que fica situado no meio duma favela gigante, a própria da cidade da Praia, na ilha de Santiago. E no meio eu.
Entre confusões com a bagagem e más disposições ou sustos pela aterragem, tento ver ao longe um pouco do que me espera.
À saída do aeroporto, estavam a irmã Purificação e o Alibânio, que foram duas das pessoas que mais nos ajudaram durante esta estadia na ilha.
Feitas as apresentações, entramos no carro que nos vai finalmente levar a casa. Esta foi-nos cedida pelo Santo padre Campos, homem de quem muito tínhamos ouvido falar.
Conhecido em toda a ilha de Santiago, pelo seu exemplo de vida e, como muitos mas mesmo muitos dizem, o seu exemplo de santidade.
A passagem pelo centro da Cidade da Praia foi algo que me tocou. Acabado de sair de Portugal, nunca imaginei que fosse possível existir tanta pobreza no mundo. Nenhum lugar do nosso país pode ser equiparado a este amontoado de casas, lixo e desorganização que agora me entra pelos olhos até ao mais profundo da minha alma.
Muita pobreza mas nenhuma miséria. O material que não existe, é substituído pela alegria e hospitalidade de um povo que transforma o pouco em muito.
Pouco dinheiro. Quase nenhum mesmo. Mas muita bondade. Muita mesmo.
Chegados a São Martinho, reparei que a casa onde ia viver nos dois meses que se seguiam era a maior e mais arranjada da aldeia. Fez-me muita confusão. Face ao que até agora tinha visto, esperava ficar alojado num sítio com muito menos condições.
Fomos recebidos com grande euforia por uma outra irmã Espiritana e por uma rapariga de 32 anos, a Cristina, que cedo se veio a tornar a nossa maior amiga e companheira. Foi sem duvida alguma a minha “mãezinha” durante todo este Projecto.
À saída de Lisboa, julgava eu vir transformar o mundo. Com o tempo, facilmente me apercebi que a única coisa que verdadeiramente iria mudar era eu próprio. Porque no meio de tudo estava…eu.
Todos os dias que ali passei, transformaram a minha formação enquanto pessoa. Tenho a certeza que tudo aquilo que aqui ganhei, serão alicerces da pessoa que eu vou ser no futuro.
A nossa missão passava essencialmente por estar! Ao contrário do que sempre imaginei. Estar, porque o realmente importante está em dar aquele carinho, aquele abraço, aquela “festinha” ou aquele beijinho a quem dele mais precisa. E acima de tudo passar a Palavra de Deus. No fundo fazer aquilo que nos diz São Paulo na carta aos Coríntios, Amar porque a maior das três virtudes teologais é a Caridade.
Ser Caridosos passa essencialmente por estar. Não por criar grandes infra-estruturas para que o país se desenvolva. Não!
Isso não deixa de ser importante mas Jesus não veio ao mundo para nos dar coisas para evoluirmos, Ele veio dar o exemplo para que aprendêssemos a ser como Ele! “Se vires um pobre não lhe dês um peixe para comer. Ensina-o a pescar”!
É este o grande Projecto que a ASUL realiza em Cabo Verde. Não queremos mudar o mundo inteiro de uma só vez. Não temos essa prepotência. Queremos antes, através do exemplo, mostrar que mesmo nas piores condições se pode ser feliz. Queremos amar! Ou seja ter Caridade, Esperança e Fé.
Como nos ensina Jesus, o Reino do Céu é dos Seus irmãos mais pequeninos. Não dos que passam a vida a ajudar sem alegria de viver. E muito menos daqueles que tudo fazem com o intuito final de ter assegurado um lugar junto d’Ele.
“Tive fome, deste-me de comer; tive sede deste-me de beber; tive frio, deste com que me aquecer; estive só, fizeste-me companhia; estive preso, foste visitar-me…”
E assim tentei fazer.
Ao longo destes dois meses, quis ser discípulo de Jesus. Colocar-me nas Suas mãos, procurando sempre pensar, em cada situação, qual seria o Seu modo de actuar.
Durante a estadia, levantava-me todos os dias às seis da manhã e assistia à Eucaristia diária celebrada pelo Padre Campos. Tudo o que da sua boca saía, todos os ensinamentos que dele bebi, aumentaram em mim a certeza de estar perante um santo na Terra. Um português de Lousada com 78 anos.
Regressados a casa após a Santa Missa, cheios de Jesus no coração, era altura de tomar um bom pequeno-almoço. Pouco demorado, porque rapidamente tínhamos que sair para as actividades da manhã. Para tal dividíamo-nos em dois grupos.
Como já referi, as actividades eram variadas. Por vezes dava aulas. Estava encarregue das de catequese e consegui ensinar muitas coisas de verdadeiro interesse, como por exemplo os mistérios do Terço. Posso afirmar que não era nada fácil captar a atenção daquelas crianças que só queriam brincadeira com os novos amigos “brancos”. Contudo, e com esforço, lá consegui alcançar aquilo a que me propus.
Foram momentos em que aprendi muito e hoje dou mérito a quem exerce esta profissão com empenho e com paciência. Devo confessar que era algo que por vezes me faltava. As aulas foram também a forma mais fácil de decorar os nomes de todas as crianças com que me cruzei. E não era fácil pois nunca eram as mesmas. Muitas delas levantavam-se bem cedo e passavam a manhã num “vai e vem” sucessivo entre as suas casas e a fonte de água que o Estado construiu no centro da aldeia.
Esta foi, sem dúvida, das coisas que mais me marcou. Ver crianças dos sete aos 18 anos com bidões na cabeça, a peso, para garantir alguma água em suas casas.
Talvez devido a este facto, e por me aperceber da falta de água que existe nesta terra, costumávamos passar entre cinco a sete dias sem tomar banho. Isto, apesar da nossa casa ser a única com água canalizada. Uma atitude que decidimos, não por desmazelo, mas por respeito e por solidariedade a este povo.
Outra das actividades era a visita ao hospital. Aí rezávamos com as pessoas internadas nas variadas unidades. E eram bastantes. Destaco aquelas que mais me chocaram, como a pediatria, a ortopedia, o centro de dia e as infecto-contagiosas. Esta última foi uma daquelas que mais me marcou. Confesso que de inicio me custava e tinha medo de adoecer. Mas o exemplo da Vera foi fundamental para conseguir superar todos os receios. A Vera, desde o primeiro dia, entregou-se totalmente a tudo. Ela tem 29 anos, é cabo-verdiana, mas vive há 21 anos em Lisboa. Talvez por isto, sentisse a verdadeira necessidade daqueles doentes. Ela fez-me ver através dos vários abraços que lhes dava que com a protecção de Deus nada havia a temer. “É bom ser da equipa de Deus…” disse-me várias vezes.
Uma das outras actividades de que gostava era a visita à prisão, onde dávamos apoio humano, através do diálogo, a pessoas que vivem em solidão.
Cheguei a participar em grandes jogos de futebol e a ganhar bons amigos dentro daquelas quatro paredes. No último dia de visitas até nos brindaram com uma grande festa de despedida. Foi impressionante ver que no meio de condenados por homicídios e violações entre outras, existia tanta bondade e tanto carinho por nós e principalmente pelas meninas. Claro! Eu também ganhei uma apaixonada na ala feminina. Aliás saímos todos de Cabo Verde com o ego bastante inchado. Eu, por exemplo, fui pedido em casamento por umas 50 raparigas.
Da parte da tarde, e era talvez as alturas que mais me enchiam, fazíamos campanhas de evangelização. As campanhas eram, nada mais, nada menos, deslocarmo-nos até casa das pessoas, pedir para entrar e rezar um Terço em cada uma delas.
Propus-me no início do Projecto, rezar esta oração em cada uma das cerca de 120 casas da aldeia para ficar a conhecer todas. Houve tardes em que cheguei a rezar 12 Terços. Por incrível que pareça, eu, que até nem achava o Terço uma oração muito interessante em termos espirituais, passei a tê-la como oração preferida.
O Terço é, sem dúvida, uma forma muito boa de chegar às pessoas. Isto porque poucas pessoas não a sabem rezar.
Como acolhedores que são, e talvez isso tenha sido uma das duas coisas que mais me marcou para a vida, sempre que entrávamos numa casa, preparavam-nos um lanche ou jantar. Por variadas vezes, vi-me forçado a comer aquilo que iria ser o jantar daquela família. Era algo muito difícil de aceitar, mas ficavam mesmo muito zangados cada vez que recusávamos alguma coisa. E foi exactamente esta atitude que muito me comoveu. Uma família de 12 pessoas a passar fome uma noite para nos agradar. Mal sabiam que só o abrir-nos a porta nos deixava completamente cheios de alegria. Tive que lidar com esta situação muitos dias da minha estada em S. Martinho.
A única certeza da passagem por esta aldeia, era a hora do Terço de comunidade. Todo o santo dia se rezava o Terço às sete horas, mais coisa menos coisa, e toda a aldeia aderia. Foi emocionante ver 300 pessoas no átrio duma igreja a rezar o Terço connosco e cheias de vontade de ouvir o que tínhamos para ensinar sobre a Palavra de Deus.
De entre todas, aquela situação que mais me marcou foi o ter dado o nome de Sofia a uma recém nascida. Foi um momento de grande alegria pessoal, sentir que uma rapariga de vinte e poucos anos gostava tanto de mim que até pôs a filha com o nome da minha irmã. Eu adorei esse momento. Até ai, ainda não tinha afilhados. Agora tenho. Ainda por cima, com um nome escolhido por mim! Escusado será dizer que a minha irmã chorou “baba e ranho” ao saber da notícia.
Estes dois meses em Cabo Verde foram uma grande experiência. Nunca a esquecerei. Certamente que a contarei aos meus filhos e netos. Mas apenas eu e as sete pessoas que lá estiveram comigo sabem verdadeiramente o que foi. É difícil escrever algo tão grande em tão poucas linhas. Por isso resumi o que consegui.
Mas uma certeza tenho, a maior experiência por que já passei, é toda a minha vida!
Julgo que podemos ter muitas experiências, boas ou más e escolher algumas importantes durante a nossa passagem por este mundo. Contudo, escolher uma em particular, torna-se impossível. Todas são fundamentais, não apenas os dois meses em Cabo Verde, como também o simples acto de dizer bom dia ao acordar ou o atar, ou não, um sapato.
E no meio eu…

tomás pimenta da gama.

3 comentários:

Anónimo disse...

Olá Tomás!
Agora que já li bastante do seu blog, posso lhe dar os parabéns.
Fala de assuntos variados, dando-lhe um qb de piada.
Nunca pensei vir a conhece-lo melhor aqui na net. lol
Isto se quando escreve está a ser realmente Honesto.
Sim, porque devemos ser honestos naquilo que fazemos e somos.
Para mim, a honestidade e das melhores características das pessoas.
No dia em que deixar de ser, faço as malas e vou-me embora. lol
Continue a escrever.

Anónimo disse...

cada palavra deste teu texto tem o "carimbo" de Deus.

um beijinho.
(parabens)

Anónimo disse...

tomás!li o teu texto e digo-te mt sinceramente eu acho que não teria a coragem que tu tiveste não por ir numa expectativa de ajudar e de conseguir passar uma palavra, a Palavra de Deus a essas pessoas mas sim com medo de que um dia mais tarde nada do que se possa ter feito nao tenha continuidade...
Admiro-te pelo espirito que tiveste e pela forma como encaraste certas realidades com que te deparaste e com as quais não estavas habituado!
Em relação ao teres vindo de lá com 500mil admiradoras(que isso já faz parte do teu ego pessoal) tens aqui mais uma ( nao nesse sentido) mas pelo trabalho que desenvolveste e que eu acho que cada vez mais devia ser desenvolvido e incentivado aos jovens mas infelizmente vivemos num mundo de muitos preconceitos e de muito pouca entre-ajuda!infelizmente cada vez mais a nossa sociedade se torna mais consumista e gananciosa!
Adorei o teu texto e acredita que se há coisa que me faz pensar e secalhar nao deveria dar isto como exemplo mas acho que só o facto de sentirmos que ajudámos ao máximo uma pessoa até não haver mais nada a fazer ou até perdermos as nossas forças todas(digo isto e repito que não é uma situação nada que se pareça mas eu acabei de perder o meu avô e se há coisa em que eu penso e tento transmitir à minha avó e à minha mãe é que fizemos tudo o possivel e o impossivel para tentar salvá-lo de uma doença terrivel e que se não conseguimos foi porque já estava na hora dele a experiencia dele neste mundo já tinha muito para contar...)é uma das grandes razões neste mundo que ainda faz viver muitas pessoas; pessoas com espírito de luta ;pessoas que através do amor e da boa vontade conseguem tudo ou quase tudo.
Acho que mais não te posso dizer mas gostei imenso...
Um grande beijinho
Ines Oliveira(amiga da maria ramada curto)