quinta-feira, julho 15, 2010

A primeira carta


“A minha alma está numa tristeza de morte...” (Mt. 25; 13).Foi desta forma que Jesus se dirigiu aos discípulos antes de ir rezar sozinho para o Horto das Oliveiras.Jesus sabia que a sua morte estava para breve, seria capturado nessa noite, condenado e crucificado
no
dia seguinte. Em oração pede ao Pai: “Pai, afasta de Mim este cálice, contudo, faça-se a Tua vontade e não a Minha” (Lc. 22; 42).
“Querida Maria,
Espero que esta carta lhe chegue ao coração.”
Começava assim a carta, com duas das mais conhecidas passagens da bíblia que existem. Uma carta de amor, sentida, desesperada, uma carta que, no fundo, era de esperança, pois o que ele pretendia era que algo dentro dela mudasse.

Começava assim porque, era o que ele rezava no momento e era a estas duas passagens que se tinha agarrado para aguentar este tempo. Começava assim porque…era o que sentia naquele preciso momento.
Precisava de lho dizer. A alma dele também estava numa tristeza de morte, sentia-se a morrer aos bocadinhos.
Combinaram ser sempre sinceros um com o outro e a verdade é que ele não tinha sido a 100%.Agora ia ser muito sincero com ela e dava-lha para que soubesse o que andava a viver nos últimos dias.
Ela conhecia-o, sabia que era orgulhoso e que tinha a mania de se fazer forte, mas ele tinha que confessar o que desde dia 18 de Junho se passava na sua vida.

“Minha querida, eu não gosto de si. Eu adoro-a...e o meu coração não se cansa de mo gritar a alto e bom som. 
Porque é que não lho disse antes? Por achar que estava a fazer bem em deixá-la pensar com mínima influência minha. Agora vejo que errei e que muito provavelmente “chego” atrasado e a perdi para sempre. Estou triste!”
Tiago, referia na carta, sentia que tinha sido feito para amá-la e neste tempo, cada vez mais se vinha a aperceber disso. Talvez ela não tivesse sido feita para o amar a ele, dizia-lhe, mas ele era feliz por ter agora a certeza que precisava, de que foi mesmo feito para a amar. E ia fazê-lo sempre...independente do que ela tivesse decidido, independentemente de ela estar perto, longe, com ele ou com outro - apertava-se lhe o coração só de pensar nisso, mas se ela fosse feliz assim, ele também seria por vê-la feliz.

Não comia, não dormia, não podia ir a lado nenhum porque tudo o fazia lembrar-se dela, era inevitável.

Se isto não era amor, não sabia que outro nome dar-lhe.


“Já viu como eu estou?”, escreveu. “Eu amo-a!”

Amava-a, como nunca na sua vida sonharia amar alguém. Amava como amava os próprios pais ou a sua irmã pequenina.

A
o longo da carta, tentou explicar-lhe que, na verdade, se tinha tentado distrair, que tinha tentado evitar pensar nela e inclusivamente pensou em arranjar outra pessoa que o “distraísse”, mas não tinha dado, não conseguiu. Ninguém chegava à sola dos calcanhares de Maria.

“Eu adoro-a. Tanto.”

Enquanto escrevia, desculpava-se, por apenas lhe estar a dizer tudo agora, provavelmente perdera a oportunidade de a voltar a ter, mas não podia deixar de lho dizer, pois estava a rebentar por dentro e como não se abria com ninguém, ainda lhe custava mais!

Perdera-a, mas pedia a Deus, dentro de si e com todas as forças do seu ser, que “...afastasse de si aquele cálice...”, mas ao mesmo tempo, se desse, que os voltasse a juntar e a fazer felizes.

Será que podiam dar-se ao luxo de desperdiçar uma coisa que lhes havia sido dada por Deus e que os dois sabiam ter sido tão boa, só porque parvos foram e não haviam lutado na altura certa?! Não sabia. Cada vez mais acreditava que não!

Achava que tinham tentado fazer tudo bem, mas que a certa altura haviam “trocado as voltas”..."porque sim", já tinham sido muito felizes um com o outro.

Se não fosse possível ficarem juntos, nem agora nem no futuro...ele aceitaria, “...que se faça a Sua vontade e não a minha...”(!) dizia-lhe, mas sinceramente o que queria mesmo era voltar a imaginá-la mãe dos seus filhos, avó dos seus netos, passar dias no Algarve, Costa Alentejana ou outro lado qualquer com uma família grande à volta...no fundo, o tudo ou nada, desde que juntos. Era mesmo o que mais queria...e rezava por isso.

Escrevia-lhe ainda “a minha alma está numa tristeza de morte”, porque acreditava que deixara passar o tal tempo e que neste momento ela já ultrapassara o sentimento que tinha sentido por ele. E ele sabia ter sido um sentimento forte...porque sentiu-o todos os dias do namoro. Contudo, acreditava mesmo que passara. Houve algumas coisas, reacções, palavras, gestos...que o fizeram acreditar nisso. Mas rezava “Senhor, afasta de mim este cálice”, porque gostava de ter mais uma oportunidade para a fazer feliz. Estando ela em Lisboa, no Brasil ou na “Conchichina”. Era tudo o que mais queria. Dependia de Deus e dela para isso...mas se esta o permitisse...ele lutaria por.

Escreveu-lhe ainda que de qualquer forma, se o que ela queria era acabar tudo o que haviam tido de uma vez por todas, restava-lhe rezar “...que se faça a Sua vontade e não a minha...” e rezar também para que um dia pudesse vir a ser capaz de a fazer muito feliz, não como namorado ou marido, mas como amigo. Era o mínimo que estava à espera, a amizade dela. Pedia-lhe isto pelo ano de namoro e por tudo o que já tinham passado juntos.

Se ela não quisesse, ele aceitaria e afastar-se-ia. Aceitaria e esperaria, quem sabe um dia não viessem a conseguir?

E repetia na carta, que o mínimo por que estava à espera com este “desabafo” em forma de carta era que um dia conseguissem ser amigos.

Não fazia ideia se ela já tinha outro “em vista”, ou se não tinha ninguém, odiava ouvir as pessoas a falar dos dois, porque perguntavam sempre e insinuavam que ela já tinha o tal "outro", que já o tinha trocado (o que lhe custava horrores e engolia em seco), mas queria dizer-lhe que, se tivesse (nem acreditava que estava a escrever isto), preferia sabê-lo por ela. Morreria, de facto era verdade, mas acreditava também que se ela estivesse bem e feliz ele também acabaria por ficar. Ficaria feliz por ela (se a amava, só podia ficar feliz por ela estar feliz, não é?)
A meio da carta, explica-lhe que tem medo de falar com ela. Tinha medo que esta se fartasse dele, como fartou do último namorado e tinha muito medo que o ignorasse como fez com ele. Morria de medo.
L
embrava-se que Maria lhe escrevera uma vez, numa mensagem, que as mensagens dele e os seus telefonemas faziam o seu dia. Ele estava agora disposto a fazer muito mais. A cozinhar, pôr mesas e limpá-las para ela, a levá-la a mariscar sempre que quisesse (um daqueles “vícios” caros que ambos tinham) a fazer os Km’s todos de avião, comboio, carro ou mesmo a pé para ir ter com ela (dois assuntos que levantavam sempre alguma discussão). Tudo isto e muito mais. Porque a amava e porque se apercebera tarde demais de tudo isso. O costume nestas coisas do amor.
Cada vez que via namorados aos abraços e aos beijos, desatava a chorar por dentro, mesmo nas noites ou alturas de maior diversão. Ninguém sabia, ninguém percebia, só ele. Ali.

A partir de agora, dizia-lhe ainda, prometia que iria deixar de ouvir os conselhos espontâneos dos outros (porque muita gente opinava sem que lhes perguntasse nada) e passaria a ouvir mais o seu coração. A partir desta altura, queria “ser mais ele”. Esperava que ela não se importasse, mas ia fazê-lo. É que o seu sofrimento todo estava a tornar o seu coração mais puro, a ver com maior clarividência.

Tiago, acreditava saber o que Maria estava a sentir. Falta de pachorra e de paciência para si, falta de saco. Também já lhe tinha acontecido quando acabara namoros. Mas pelo que tiveram, o ano intenso de namoro, pedia-lhe um bocadinho de esforço.

Como já lhe dissera, não raras vezes, fora de longe a melhor namorada que teve.

4 comentários:

Anónimo disse...

Confesso que imprimi para ler... ao teu estilo misturas bem as personagens e é preciso ler com atenção... ficção ou realidade?? never know...
beijosss***
Sónia

tomás pimenta da gama disse...

:) pura ficção...mas baseada em factos veridicos não "auto-biográficos"! hehe..
Já me perguntaram se era sobre mim que escrevia... Eu nunca me exporia assim..hehe. ;)

Beijinhos Sónia.

Anónimo disse...

Você «faz-se», tem sensibilidade! Rita Ferro

tomás pimenta da gama disse...

Que honra! Que elogio! Muito obrigado tia Rita, se "me faço" ou não, ainda não sei. Eu gostava. Mas sensibilidade acho que sim ;)

Beijinhos e muito obrigado.